Dr. Fernando Capano*
A recente decisão que determinou a prisão preventiva de Walter Braga Netto (PL) está, de maneira majoritária, alicerçada na chamada “garantia da ordem pública”. Este é, pelo que se depreende da decisão singular do ministro Alexandre de Moraes, o principal argumento que mantém a custódia do general de quatro estrelas do Exército e candidato à Vice-Presidência da República nas eleições de 2022 na chapa de Jair Bolsonaro (PL) - que tentava, na época, a reeleição.
A detenção de Braga Netto a pedido da Polícia Federal (PF) é resultado das investigações acerca de sua participação em tentativa de ataque ao Estado Democrático de Direito, cuja operacionalização, entre outros atos, se daria por meio do assassinato, logo após a corrida eleitoral presidencial de dois anos atrás, do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e de seu vice, Geraldo Alckmin (PSB).
Estamos a tratar de condutas graves e que devem, sim, ser elucidadas com o maior alcance possível, para que os culpados, na lógica do devido processo legal e do amplo direito de defesa e contraditório, sejam punidos com o rigor da lei.
Contudo, é importante salientar que, já por agora, há questionamentos jurídicos muito substanciais em torno da investigação e da própria prisão cautelar do general.
À luz do ordenamento jurídico é possível se ponderar no que tange à efetiva necessidade de acautelamento preventivo de Braga Netto neste momento processual, sem que se possa asseverar, desde já, sobre a inocência de um ou de outro - que fique claro.
É bem provável, aliás, que a Defesa de Braga Netto maneje, tão logo, Habeas Corpus (HC), que pode e deve ser apreciado no STF por todos os ministros do Colegiado, lançando mão, assim, do argumento de que, não há, de fato, requisito fático para a manutenção da detenção ocorrida em 14/12.
A alegada “garantia da ordem pública” precisa estar sendo, realmente, ameaçada ou vilipendiada via condutas e fatos contemporâneos, para que o general se mantenha recluso processualmente - o que não me parece ser o caso em tela. Basta avaliar que a suposta tentativa de influenciar o rumo das investigações teria ocorrido em 2023.
É imperativo que nos recordemos, ainda, que, por mais graves que sejam os ilícitos criminais que podem ter sido cometidos por Braga Netto e por mais um sem-número de indiciados, responder o processo em liberdade é a regra - é o que prevê o ordenamento jurídico em vigência. Exceção é a prisão processual, cuja justificativa precisa ser indiscutivelmente robusta - sem brechas, aliás, para alegações políticas-partidárias e passionais.
A medida mais acertada, a meu juízo, passaria pela decretação de providências cautelares alternativas em face do general, como a apreensão de seu passaporte e até mesmo o uso de tornozeleira eletrônica, para o rastreamento de sua localização.
A prisão, neste momento, me parece decisão atécnica, longe da racionalidade sistêmica que se espera do Poder Judicial - homenageando, desta maneira, certa incoerência legal que, vez ou outra, acabamos por nos deparar. Não é possível, nesta perspectiva, “antecipar” pena, vulgarizando o importante instituto da prisão preventiva. Isto vale para generais e, também, para qualquer sujeito que está a sofrer persecução penal por ter, supostamente, furtado uma barra de chocolate no mercado vizinho.
De toda maneira, e como já ocorreu no trâmite deste mesmo caso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pode ofertar delação premiada a Braga Netto, inclusive para facilitar a apuração dos indícios de eventual envolvimento próprio ou impróprio da estrutura do PL na suposta tentativa de golpe de Estado.
Documentos que consubstanciavam o ataque a instituições e a homens públicos, afinal, foram apreendidos na sede nacional do partido, em Brasília-DF - o que seria uma indiscutível afronta à Constituição Federal (CF).
Ressalta-se: agremiações políticas não podem se envolver em atividades desta natureza. Há, nesta perspectiva, inclusive, a possibilidade de cassação de registro partidário, que deverá ser objeto de autos apartados. O fututo da sigla pode estar em sério risco.
Sobre os eventuais resvalos disciplinares na esfera militar, uma vez que estamos tratando de persona com mais de 50 anos de prestação de serviço às Forças Armadas, creio que em consequência da situação singular de Braga Netto na hierarquia do Exército, tão já, não haverá nenhuma alteração em seu status funcional.
No futuro, entretanto, em caso de condenação transitada em julgado, ele poderá perder sua posição como militar e os direitos inerentes ao generalato. Os proventos previdenciários, no entanto, não poderão ser cassados.
A de se considerar, entretanto, que já está havendo severo dano à sua imagem e honra, tudo em razão, se devidamente comprovada, de uma aventura em busca da manutenção do status como agente político.
Como se pode refletir, especialmente no que tange os homens públicos, o poder não nos muda. O poder apenas revela quem somos verdadeiramente! Eis a razão pela qual o poder dever ser, via o ferramental legal, sempre controlado e contido.
*Fernando Fabiani Capano é doutor em Direito do Estado; mestre em Direito Político; especialista em Direito Militar, e em Segurança Pública e na Defesa de Agentes Públicos; professor de Direito Constitucional e de Direito Penal; e presidente da Associação Paulista da Advocacia Militarista (APAMIL)