Palestras do ex-vendedor de água e de Zé Maria ‘Da Gente’ e Silvana Araújo trouxeram insights sobre como os obstáculos do caminho podem fortalecer o empreendedor
A terceira edição do ACExperience, evento organizado pela ACE-Guarulhos no auditório do Eniac, nesta quinta-feira, 25/04, trouxe verdadeiras lições de vida de empreendedores que passaram por muitos obstáculos antes de alcançar o sucesso. “O mérito não está em você chegar lá, mas sim em suportar o processo. É ter gestão das emoções. Como você lida com suas frustrações durante a caminhada? É isso o que vai fazer a diferença”, afirmou o ex-vendedor de água da Praia de Copacabana Rick Chesther, que hoje se orgulha de ter palestrado até na Universidade de Harvard e ter vendido 1 milhão de cópias do livro que conta a sua trajetória.
O ACExperience é um evento que coloca Guarulhos no circuito dos grandes palestrantes do País – nas edições anteriores passaram pelo palco do evento da ACE nomes como Roberto Shinyashiki e Geraldo Rufino. “É uma alegria poder trazer palestrantes desse nível para Guarulhos. Desde que assumi a presidência da ACE-Guarulhos, defendo que o empreendedor de Guarulhos merece um circuito de palestras de nível internacional. E é o nosso papel fazer isso!”, explicou o presidente da ACE, Silvio Alves, que sempre faz questão de completar o time de palestrantes de cada ACExperience com empreendedores locais, que também têm muito a compartilhar.
Nesta terceira edição, além da palestra “Pega a Visão”, de Rick Chesther, houve apresentações de Zé Maria “Da Gente”, dono da rede de supermercados DaGente, com a palestra “Do plantio à colheita”, e de Silvana Araújo, diretora de Relações Tributárias da ACE, com a palestra “Como fazer seu chefe virar seu sócio”. O evento lotou as dependências do Eniac e contou com a presença do vice-prefeito Professor Jesus, do vereador Geleia Protetor e do vice-presidente da RA3 da Facesp, Francisco Quintino.
Fome de vencer
A primeira palestra da noite foi de Zé Maria “Da Gente”. Ex-cortador de cana no nordeste brasileiro, veio para Guarulhos aos 14 anos, analfabeto, mas com muita vontade de vencer e superar a realidade de fome, dele e dos pais e 10 irmãos. “Eu cresci passando fome. Cortava cana para conseguir levar algo para a mesa. Muitas vezes levava menos do que o necessário. Como discutir com o patrão que contava o peso a menos da cana se ele carregava um revólver na cintura?”, relembrou.
Zé Maria ressaltou a importância da família em sua formação. “A gente não tinha estudo, moradia decente, comida. Mas meus pais sempre ensinaram a ter caráter, o valor da honestidade. Diziam que não importava o quanto faltasse, mas que nunca deveríamos pegar nada de ninguém”, apontou.
Uma passagem com seu pai, inclusive, é o ponto alto de sua apresentação. Ele relembra a ocasião em que foram obrigados a ingerir comida “com bicho” para não morrerem de fome. “Meu pai dizia que era vitamina. E orou com a gente, dizendo que nada era maior do que Deus. E que um dia a família teria uma vida melhor”, disse.
Depois de anos de sofrimento e obstáculos, Zé Maria veio para Guarulhos, aos 14 anos. Trabalhou como empacotador, balconista, padeiro e tinha o sonho de ser gerente. Mas o mercado faliu e ele se viu diante da oportunidade de empreender. Fazia o pão na sala da casa modesta e vendia na garagem. Voltou a estudar aos 17 anos, pois tinha vergonha de pedir para outros escreverem as cartas que enviava para a mãe.
O Mercadinho Soares cresceu, virou “DaGente”, e na primeira vez que o pai esteve no local para uma compra, Zé Maria disse para ele pegar tudo o que queria. Na hora de passar no caixa, o pai queria pagar pela mercadoria, mas o filho não deixou. E relembrou os tempos de dificuldade. “Eu perguntei se ele lembrava do dia em que orou com a gente e disse que Deus um dia daria uma vida melhor para a família. E disse que esse dia tinha chegado”, disse, emocionado. O pai passou mal de tanta emoção.
Zé Maria finalizou dizendo que o empreendedor não pode desistir. “Siga firme. Às vezes falta só um pouquinho para o sucesso chegar. Tenha fome de vencer”, completou.
Ninguém faz nada sozinho
A segunda palestra da noite foi da diretora de Relações Tributárias da ACE-Guarulhos, Silvana Araújo. Antes de assumir a função na ACE e se tornar referência na área contábil, como a primeira presidente da Associação das Empresas Contábeis de Guarulhos e como diretora regional do Sescon-SP, ela precisou ultrapassar obstáculos.
Os primeiros, dentro de casa. “Fui criada sob a visão machista de que lugar de mulher não era trabalhando, mas sim cuidando apenas do lar”, lembrou. “Eu tinha o sonho de empreender desde criança, mas meu pai dizia que mulher não precisava estudar tanto, já que não precisariatrabalhar. Isso incomodava muito e sempre pensei: ‘vou quebrar isso’”.
Aos 14 anos decidiu buscar sua independência. Venceu a resistência da família e começou a atuar em uma loja de autopeças. Aprendeu tudo sobre carro, algo inimaginável para uma mulher naquela época.
Depois, assumiu cargo de período integral em uma transportadora. Começou como auxiliar de escritório e foi crescendo. Com salário melhor, conseguiu uma escola melhor. Cresceu profissionalmente e decidiu empreender com o noivo. Tiveram locadora, restaurante, danceteria, sorveteria.
A vida ia bem e ela achou que seria sempre assim: planejar e fazer. Mas a vida impôs perdas e desafios significativos. “Foi um choque de realidade. Eu tinha acabado de me formar na faculdade de contabilidade. Enfrentei uma crise no casamento e problemas de saúde dos pais e irmãos. Tive que assumir o papel de pilar da família. E não era uma opção desistir”, afirmou.
Partiu para procurar emprego na área. E encontrou oportunidade no caos. Um trabalho sem registro e sem remuneração, em um escritório precário. Resolveu apostar, pois percebeu que o patrão precisava de ajuda. Deu tão certo que acabou levando clientes novos, convenceu o chefe a mudar de escritório e virou sócia.
Um antigo colega de faculdade apresentou a ACE e um grupo de contabilistas que se reuniam periodicamente. Acabou por se juntar com ele e outro profissional antes de fundarem a AECG. A lição que tirou de tudo o que viveu na vida pessoal e profissional? A de que ninguém é tão bom individualmente que não possa melhorar ao se unir a outros.
O sucesso após 40 anos de sofrido anonimato
Em 2018 ele estava irritado com um desaforo que ouviu nas areias da Praia de Copacabana, onde ganhava a vida vendendo água. Um turista reclamava da situação no Brasil e, após conversa rápida com o ambulante negro e pobre, soltou: “Quem esse negrinho pensa que é para falar sobre crise?”.
Rick Chesther chegou em seu barraco, ligou a câmera do celular e gravou um vídeo no qual ensina como ter lucro vendendo água na praia. Ele encerra a mensagem dizendo que se “vender água não é para você? Então a crise não está no País, mas dentro de você”.
Ele tinha 40 anos e já havia passado fome e todas as privações imagináveis, desde a infância no interior de Minas Gerais. Mas o vídeo viralizou e caiu nas graças do empresário Flavio Augusto, criador, entre outros negócios, da rede de escolas de idiomas Wise Up.
Ele, que mora nos EUA, me achou pela internet e pediu para visitá-lo quando viesse ao Brasil. Foi a oportunidade da minha vida. Meu pai disse: nas suas condições sociais e com a sua idade, esta pode ser a última oportunidade. “E eu abracei as orientações do Flavio e cheguei a palestrar na Universidade de Harvard”.
Ele já vendeu milhões de cópias de dois livros – “Pega a Visão” e “A Favela Venceu” – e influencia pessoas do mundo todo. “Vocês imaginam um cara que nasceu na miséria, filho de um braçal e de uma dona de casa, que passou fome e foi servente de pedreiro. Que não sabia o que era carne, pois disseram um dia que isso não era para ele. E que hoje é o garoto propaganda de gigantes como o Santander e Amazon.
Conseguem imaginar o que teria acontecido se eu tivesse acreditado nos ‘nãos’ que me deram durante a vida? E se eu tivesse desisto?
A gestão das emoções e a reação às adversidades é apontada por Chesther como o principal atributo de sua trajetória. “Guardem essas cinco atitudes para a vida: identifique seu principal dom e passe a vida lapidando; a vida é semeadura e colheita, mas, acima de tudo, cultivo; busque conhecimento sempre; joguem em equipe (fazer com é melhor do que fazer para); aprendam sobre vendas”, aponta.
No fim do evento, Chesther foi homenageado com a Comenda do Mérito Empreendedor. “Valorize quem proporciona o extraordinário. O Silvio parou o que estava fazendo para fazer esse evento para vocês”, completou.