Para Sindpesp, enfrentamento à violência exige integração das forças de segurança, e não a transferência de funções entre as instituições, prejudicando o serviço prestado à sociedade
A exclusão da Polícia Civil na operação Fim da Linha, deflagrada, recentemente, contra empresas suspeitas de ligação com o Primeiro Comando da Capital (PCC) no estado, e a recente declaração do secretário de Segurança Pública do Governo de São Paulo, Guilherme Derrite, de que “a Polícia Militar (PM) vai assumir o protagonismo do combate ao crime organizado”, não foi bem digerida pela Polícia Judiciária. Também segundo a análise de autoridades e de especialistas da área, tal decisão constitui usurpação de funções da Polícia Civil, o que pode comprometer, na ponta, a segurança da população. O Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp) defende o trabalho integrado entre as instituições.
Para aumentar a tensão, causou preocupação à entidade a informação de que a PM “está sendo preparada para elaborar os Termos Circunstanciados (TCs)” - registros de ocorrências de menor gravidade e que são de responsabilidade da Polícia Civil, a quem cabe a tarefa de Polícia Judiciária, como destaca a presidente do Sindpesp, delegada Jacqueline Valadares:
“As forças de segurança precisam trabalhar em sintonia, harmonia e sinergia no estado de São Paulo. À Polícia Civil cabe o papel de investigar e de promover operações. À PM cabe o trabalho nas ruas, de patrulhamento ostensivo e preventivo. Quando o Estado passa a transferir atribuições da Civil para a Militar, a própria PM fica sem fazer o que, prioritariamente, é de sua alçada. Isso pode fragilizar ainda mais a estrutura policial como um todo. Sem contar que, a ponta, que é a população, que tanto clama por segurança, será prejudicada. Cabe à Secretaria de Segurança Pública unir as forças policiais e não confundir todo o trabalho”, alerta Jacqueline.
A integração entre as Polícias Civil e Militar e o tratamento equânime das instituições, inclusive, foram promessas de Derrite, assim que assumiu a Secretaria de Estado de Segurança Pública. Capitão da PM, o aliado do governador Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) também é deputado federal pelo PL-SP licenciado. Mas não é essa união consignada na campanha eleitoral de 2022 que está acontecendo, na prática.
Derrite declarou, em evento recente, que as operações da Polícia com o Ministério Público (MP) no estado contra facções criminosas serão ainda mais frequentes e que “a PM vai assumir, com o MP, o protagonismo do combate ao crime organizado”, com direito à troca de informações e de dados, e com a utilização de seus setores de inteligência, “para que, as ações sejam mais eficazes e constantes”.
Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), abordou a questão em suas redes sociais. Ao passo em que saiu em defesa da Polícia Judiciária, refutou, veementemente, a ideia de Derrite:
“O enfrentamento ao crime organizado não pode ser refém de interesses corporativistas. A Polícia Civil de São Paulo tem muito a contribuir e não pode ser posta de lado. O Governo do Estado precisa respeitar a sua Polícia Civil.”
Em vídeo que passou a circular, sobretudo, em grupos de policiais civis, o deputado federal Delegado Palumbo (MDB-SP) questiona Derrite sobre a exclusão da Polícia Civil na operação contra o PCC e também criticou a elaboração de TCs por parte da PM:
“Não dá para uma instituição usurpar a função da outra. Quantas chamadas do telefone 190 deixam de ser atendidas, atualmente? Milhares. A população liga no 190, não vai viatura, não vai ninguém. E vão colocar a PM para fazer TCs?”, questionou.
Déficit de policiais
A presidente do Sindpesp lembra da urgência na contratação de mais policiais civis, que atuam no limite de suas forças, com sobrecarga de trabalho:
“Não adianta distribuir atribuições de uma instituição para outra. É urgente a recomposição dos quadros da Polícia Civil. Hoje, o déficit é de 17.324 profissionais. Recentemente, o Governo de São Paulo autorizou a nomeação dos aprovados no concurso de 2022, ou seja, de um certame que se arrasta há dois anos. Mas não chamou todos os remanescentes aptos à contratação. Esse é outro problema para o qual precisamos de solução”.