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O círculo vicioso da servidão - Por Antônio Carlos Tarquinio
Redação - Rádio Palermo
Publicado em 03/04/2024

“Porque, onde estiver o vosso tesouro, ali estará também o vosso coração”. (Lucas, 12;34.)

 

A lição pode ser vista sob o ponto de vista do desejo, em chave epictetiana, já que há muito sofrimento entre nós oriundo de não sabermos avaliar com justeza o que realmente é importante em face de certo valor que emprestamos às coisas.

Porque há muita coisa extremamente importante para nós que no fundo não possui qualquer valor efetivo. Por exemplo: ser convidado para um evento, para um jantar ou para uma festa.

Quando desejamos coisas que não dependem de nós isso geralmente acontece.

Agradei tanta gente. Movi mundos e fundos, para obter desse ou daquele, isso ou aquilo, e no final das contas, o outro é que levou o prêmio cobiçado, porque nem sempre as pessoas são justas ou honestas, dado que, não poucas delas, deixam-se levar facilmente por aquelas que são especialistas em manipulação.

E a decepção, a tristeza e o desânimo não tardam a chegar invadindo-nos o coração determinando, muita vez, quadros de profunda angústia e depressão em nossos caminhos.

Em tese, quando pleiteamos coisas que de nós não dependem, quase sempre isso significa que o “bem” desejado pertence a alguém, ou que esse alguém tem poder sobre o objeto desejado por nós. É quando colocamos nosso “tesouro” em lugar equivocado.

Pronto. É aí que começa nossa servidão. Porquanto nos tornamos escravos de todos aqueles que precisamos agradar para conseguir o que queremos, eis o círculo vicioso da servidão.

De forma diferente age o que colocou seu “tesouro”, ou seja, seu “bem” naquilo que é efetivamente importante, a saber: nos valores da alma.

Esse é livre porque somente deseja, almeja, quer o que dele depende.

Em suma:

No mundo há as coisas importantes e as que tem valor. É porque temos de aprender a ser vigilantes de nós mesmos.

É comum, por desatenção, passarmos a desejar isso ou aquilo cujos donos não somos nós. Quando queremos algo que não nos pertence propriamente – é praxe – tornarmo-nos escravos daqueles que têm a posse sobre aquilo que desejamos.

Geralmente, assim que percebem nosso interesse, fazem exigências, impõem regras, cobram mundos e fundos, e o preço costuma ser alto – pedaços de nós – isto é, nossa alma. E ela que nasceu para ser livre torna-se cativa.

O que ocorre na maioria das circunstâncias é que algo se afigura para nós como importante, mas que na verdade não tem valor algum.

É isso que quer dizer a expressão popular: “as coisas têm o importância que a gente dá”.

Já quando vivemos para as coisas que de nós dependem, despertamos para o que tem valor real, e deixamos de emprestar importância ao que não possui valor efetivo.

É preciso se perguntar sempre sobre o real valor das coisas que nos cercam os caminhos – e se mantivermos o pensamento fixo nas coisas que dependem de nós, deixaremos de ser escravos dos outros.

Tarquínio

Antonio Carlos Tarquínio - Mestre em filosofia pela PUC-SP e doutor pela mesma instituição. Articulista e comentarista de notícias em rádio e televisão, possui vários artigos publicados em revistas especializadas em filosofia.

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